Assim também lhes fará meu Pai celestial, se cada um de vocês não perdoar de coração a seu irmão.
Mateus 18:35
Reflexão: A Matemática Divina do Perdão
A ferida ainda está aberta. A memória da traição, da palavra dura, da injustiça, volta a tocar como um disco arranhado. E dentro de nós, uma voz sussurra: “Você tem o direito de estar com raiva. O que fizeram com você não tem perdão”. Guardar a mágoa parece justo, parece seguro. Perdoar, por outro lado, parece uma fraqueza, um atestado de que a outra pessoa “venceu”. Se você já se sentiu assim, saiba que não está sozinho. O próprio apóstolo Pedro lutou com essa questão, e a resposta que Jesus lhe deu, através de uma parábola, é uma das mais desconfortáveis e libertadoras de toda a Bíblia.
Pedro pergunta a Jesus, achando-se muito generoso: “Senhor, até quantas vezes deverei perdoar a meu irmão? Até sete vezes?”. Jesus responde com um número infinito e conta a parábola do servo que não quis perdoar. A história é um drama financeiro com implicações eternas.
Um servo devia ao seu rei dez mil talentos. Para termos uma ideia, um talento equivalia a cerca de 20 anos de trabalho de um homem comum. Dez mil talentos seria o equivalente a 200.000 anos de trabalho. Em valores de hoje, seria uma quantia na casa dos bilhões. Era uma dívida impagável. Diante da súplica do servo, o rei, movido por compaixão, faz o impensável: ele perdoa a dívida inteira. Apaga o registro. O servo está livre. Esta é a imagem do nosso pecado diante de Deus e do perdão que recebemos dEle na cruz – uma dívida impagável, completamente cancelada pela graça.
A história deveria terminar aí, com uma grande celebração. Mas o servo, recém-perdoado, sai e encontra um conservo que lhe devia cem denários. Um denário era o pagamento de um dia de trabalho. A dívida era de aproximadamente três meses de salário. Era uma dívida real, mas comparada à que ele tinha, era praticamente nada. E o que ele faz? Agarra o homem pelo pescoço, exige o pagamento e o joga na prisão.
O que essa atitude revela? Que o servo nunca entendeu verdadeiramente a magnitude da graça que recebeu. Ele viu o perdão do rei como um “golpe de sorte”, não como um ato de amor que deveria ter transformado seu caráter. A raiz da falta de perdão não é uma boa memória do mal que nos fizeram, mas uma péssima memória da graça que recebemos.
A conclusão da parábola, destacada em nosso versículo-chave, é aterrorizante. O rei, sabendo do ocorrido, chama o servo de “perverso” e o entrega aos torturadores até que pague toda a dívida original. Jesus termina dizendo que o Pai celestial fará o mesmo conosco se não perdoarmos de coração. Isso não significa que perdemos a salvação por não perdoar. Significa algo mais profundo: um coração que se recusa sistematicamente a perdoar talvez nunca tenha compreendido ou recebido verdadeiramente o perdão de Deus. A falta de perdão é um sintoma mortal de um coração que ainda não foi transformado pela graça.
Então, como podemos liberar o perdão genuíno, especialmente quando a dor é grande?
Guia Prático para Liberar o Perdão
- Olhe para a Cruz, Não para a Ferida: A força para perdoar não vem de minimizar a ofensa que você sofreu, mas de maximizar a graça que você recebeu. Pare de recontar em sua mente o que fizeram contra você e comece a meditar no preço impagável que foi pago para perdoar você. Lembre-se da sua dívida de dez mil talentos que foi cravada na cruz.
- Entenda que Perdoar é uma Decisão, Não um Sentimento: Você não vai “sentir vontade” de perdoar. Perdão é um ato da sua vontade, uma decisão consciente de cancelar a dívida do outro, assim como Deus cancelou a sua. Você decide perdoar em obediência a Deus, e então pede que o Espírito Santo alinhe seus sentimentos com a sua decisão.
- Perceba que Liberar o Perdão é Libertar a Si Mesmo: A falta de perdão é um veneno que você toma esperando que a outra pessoa morra. É uma prisão onde você é, ao mesmo tempo, o prisioneiro e o carcereiro. A amargura te acorrenta ao passado e à pessoa que te feriu. A decisão de perdoar é o ato de pegar a chave e libertar a si mesmo dessa cela.
- Ore pela Pessoa que te Feriu: Este é o passo mais radical e transformador. Pedir que Deus abençoe aquele que te amaldiçoou é o ato supremo de imitar a Cristo. Isso quebra o poder da amargura em seu coração de uma forma que nada mais consegue.
Liberar o perdão é a evidência mais clara de que entendemos o Evangelho. É o transbordar de um coração que foi inundado pela graça imerecida de Deus.
Sugestão de Música:
A canção “Perdão”, de Kleber Lucas, é uma meditação poderosa sobre este tema. A letra “Perdoar é a ordem, liberar o perdão… O preço do perdão foi pago lá na cruz” vai direto ao coração da mensagem da parábola: a nossa motivação e capacidade de perdoar estão fundamentadas na cruz de Cristo.