Conselho Administrativo de Defesa Econômica abre inquérito contra a Petrobras por práticas anticompetitivas na venda de gás natural
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) iniciou um inquérito administrativo contra a Petrobras para investigar indícios de práticas anticompetitivas na venda de gás natural para as usinas termelétricas durante a crise hídrica de 2021. Essa autarquia, vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, tem como objetivo impedir ações que afetem a livre concorrência e causem prejuízos aos consumidores e à economia como um todo.
Investigação em meio à crise hídrica
O processo teve início em setembro de 2021, no momento em que o Brasil enfrentava a pior crise hídrica dos últimos 91 anos. O Cade solicitou informações sobre o custo médio de compra de combustíveis para geração de energia elétrica e cópias de contratos de venda para distribuidoras de 50 usinas termelétricas. À Petrobras, foram solicitadas informações sobre os tipos de combustíveis fornecidos às usinas, além de cópias dos contratos e preços mensais cobrados nos últimos três anos.
Após analisar as respostas e as investigações compartilhadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o Cade considerou que existem indícios de infração à ordem econômica. Em 11 de agosto de 2023, a Petrobras foi notificada sobre a abertura do inquérito.
Análise preliminar e comportamento anormal no preço do gás natural
Em sua nota técnica que embasa o inquérito, o Cade contextualizou o mercado de gás natural no Brasil, destacando a Petrobras como a principal fornecedora, com 75% de participação no mercado. O gás natural é utilizado como matéria-prima pelas usinas termelétricas para a geração de energia elétrica, que possui um custo mais elevado em comparação a fontes como hidrelétrica, eólica e solar.
O documento apontou que o ápice da produção das termelétricas ocorreu no segundo semestre de 2021, quando houve um esforço do país para compensar a menor geração das hidrelétricas, afetadas pela crise hídrica. Além de ser fornecedora de gás natural, a Petrobras também possui participação direta no mercado de energia termelétrica através de suas usinas.
A nota técnica do Cade identificou um comportamento anormal no preço do gás natural fornecido pela Petrobras, levantando suspeitas de que a estatal poderia ter agido de forma prejudicial para os concorrentes.
Exemplos de práticas questionáveis
O documento do Cade mencionou dois casos de termelétricas que solicitaram atualização dos custos variáveis unitários (CVU) – a remuneração pela geração de energia. Um dos casos é o da UTE William Arjona, em Campo Grande (MS), que teve um valor significativamente mais alto do que as demais usinas. O outro caso mencionado foi o da UTE Araucária, no Paraná.
A nota técnica menciona que “a UTE Araucária solicitou duas atualizações de 20% no CVU devido ao aumento do preço do gás natural, de forma extemporânea e motivada por solicitação da Petrobras, que ameaçou interromper o fornecimento de gás natural”. Vale ressaltar que a Petrobras possui participação acionária nessa usina paranaense.
Os técnicos do Cade explicam que a Petrobras atua em todas as formas de obtenção de gás natural, incluindo produção própria, compra de outras empresas no Brasil e importação, o que reforça a importância da atuação dessa empresa no acesso e na formação do preço do gás natural como combustível para as usinas termelétricas.
Outras possíveis práticas anticompetitivas
O Cade leva para o inquérito a conclusão de uma investigação realizada pela ANP que aponta a possibilidade de a Petrobras ter distorcido contratos interruptíveis para aumentar seu poder de barganha durante as negociações, explorando uma falha de mercado em busca de lucros vantajosos. Diante disso, o relatório indicou a necessidade de investigar outras práticas anticompetitivas, como a possível discriminação de preços, atrasos de entrega e formas de pagamento, entre outras.
Histórico de investigações envolvendo a Petrobras
Essa não é a primeira vez que o Cade relaciona a Petrobras a infrações anticompetitivas decorrentes de seu elevado poder de mercado no setor de gás natural. Entre 2014 e 2018, pelo menos três processos de investigação foram abertos. Em julho de 2019, o órgão e a Petrobras firmaram um acordo para a venda de ativos, como refinarias e transportadoras, com o objetivo de estimular a concorrência no setor de gás natural.
A Agência Brasil entrou em contato com a Petrobras para comentar sobre o inquérito do Cade, mas ainda não obteve resposta.
A crise hídrica e suas consequências
No período de setembro de 2020 a abril de 2021, o país registrou o menor nível histórico de água nos reservatórios das hidrelétricas das regiões Sudeste e Centro-Oeste, que representam 70% da capacidade de armazenamento do país. Com uma menor capacidade de geração de energia elétrica por meio das hidrelétricas, o governo teve que adotar medidas para garantir a segurança energética.
Uma dessas medidas foi aumentar a geração de energia a partir das usinas termelétricas, que utilizam combustíveis fósseis, como carvão, óleo diesel e gás natural. Como essa forma de geração de energia é mais cara, o governo também implementou as bandeiras tarifárias, que encarecem a conta de luz, como forma de financiamento da energia gerada pelas usinas termelétricas, além de estimular a economia de consumo. A bandeira tarifária de escassez hídrica, a mais cara, foi encerrada em abril de 2022, e atualmente vigora a bandeira verde, que não gera custos extras para os consumidores.
*Com informações da Agência Brasil