A sobrecarga de trabalhos domésticos e cuidados com pessoas da família tem um impacto significativo na vida das mulheres, segundo especialistas. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, realizada pelo IBGE, as mulheres dedicam quase o dobro do tempo dos homens para essas atividades. Isso resulta em uma “dupla jornada” não remunerada, que impede as mulheres de se desenvolverem pessoalmente.
A demógrafa Glaucia Marcondes, pesquisadora do Núcleo de Estudos de População Elza Berquó, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ressalta que mesmo com as mudanças observadas nas famílias e nas vidas das mulheres, a desigualdade de gênero persiste. Mesmo estando mais presentes no mercado de trabalho, com renda essencial para a família e maior nível de escolaridade, as mulheres continuam sendo as principais responsáveis pelos cuidados da casa e dos familiares.
Essa sobrecarga de trabalho doméstico afeta tanto o desempenho profissional quanto os projetos familiares das mulheres. Muitas vezes, elas precisam lidar com o trabalho dentro e fora de casa, o que acarreta em limitações profissionais e pessoais. Além disso, as mulheres que conseguem ocupar espaços no campo profissional ou acadêmico, ao mesmo tempo em que são responsáveis pelas tarefas domésticas, enfrentam dificuldades para se destacar fora de casa.
A dependência do provedor também é uma questão levantada pela socióloga Andrea Lopes da Costa. Mulheres que não conseguem buscar trabalho remunerado acabam sendo subordinadas a um homem provedor, o que afeta sua independência e autonomia financeira.
A sobrecarga de trabalho doméstico também gera a chamada “pobreza de tempo” nas mulheres. A falta de tempo para se dedicar a outras áreas da vida, como educação, formação profissional, inserção no mercado de trabalho e participação na vida pública, afeta diretamente a qualidade de vida das mulheres. Além disso, as mulheres que não estão trabalhando ou procurando emprego apontam o trabalho doméstico não remunerado como motivo para essa situação. Esse ciclo de reprodução da pobreza e da desigualdade é mais comum entre mulheres solteiras, negras e que vivem em áreas rurais ou periferias urbanas.
A questão racial também é importante nesse contexto. As mulheres negras, que são maioria no trabalho doméstico, acabam exercendo os trabalhos mais precarizados e vulneráveis. Os dados do IBGE mostram que as mulheres pretas têm o maior índice de realização das tarefas domésticas.
A falta de tempo e a sobrecarga de trabalho também afetam a participação das mulheres nos espaços políticos. Muitas vezes, as mulheres precisam abrir mão de seu desenvolvimento pessoal e profissional para poder cuidar da família. Isso dificulta sua participação nos espaços de poder e decisão, e mostra que ainda há um longo caminho a percorrer para alcançar a igualdade de gênero.
Uma das soluções apontadas pelos especialistas é a atuação do Estado, por meio de políticas públicas que reconheçam e valorizem o trabalho de cuidado não remunerado. Além disso, é importante incentivar a socialização dos homens desde cedo para que também assumam responsabilidades domésticas e de cuidado.
A educação também desempenha um papel fundamental nesse processo. É necessário incluir a igualdade de gênero como tema gerador de reflexões e ações em todos os níveis de escolaridade, além de promover mudanças nas leis, como a ampliação da licença paternidade, para incentivar a participação dos homens nas tarefas de cuidado com os filhos.
É importante reconhecer que a desigualdade de gênero no trabalho doméstico é uma questão política e que a intervenção nesse espaço familiar é desafiadora. No entanto, é necessário transformar essa realidade por meio de políticas públicas que garantam o direito ao cuidado para todas as pessoas que necessitam dele.
A criação da Política Nacional de Cuidados pelo governo federal é um passo importante nesse sentido. A proposta visa reconhecer, valorizar e redistribuir as responsabilidades do cuidado entre a família, a comunidade, as empresas e os governos. Além disso, é necessário promover uma transformação cultural que reconheça o cuidado como um trabalho e um direito de todas as pessoas.
Para que isso aconteça, é preciso fortalecer a educação para a igualdade de gênero, transformar leis e promover mudanças estruturais na sociedade. Somente assim será possível romper com a desigualdade de gênero e garantir que as mulheres possam se desenvolver pessoal e profissionalmente em todos os aspectos de suas vidas.
*Com informações da Agência Brasil