As tintas que deram vida às obras de Candido Portinari são uma mistura entre sua cidade natal, Brodowski (SP), e o mundo. Suas pinturas transmitem denúncia e ternura, misturando o figurativo com o surreal. As cores refletem o passado e olham para o futuro. Desde as sacas de café até as mãos do homem negro segurando uma enxada, o artista expressa seu afeto pelo país e sua revolta contra as injustiças. Seu trabalho também alerta sobre as guerras e deseja a paz.
Na exposição “Portinari Raro”, que estreou recentemente no Centro Cultural Banco do Brasil em Brasília, mais de 200 obras menos conhecidas ou desconhecidas do grande público revelam a genialidade desse artista de múltiplas tintas inconformadas. A mostra, com entrada gratuita, tem como objetivo democratizar o acesso à arte plural do pintor. O professor João Candido Portinari, filho do artista e responsável pelo Projeto Portinari, explica que os temas abordados nas obras são tanto sociais quanto aspectos da infância, do trabalho no campo e na cidade, dos tipos populares, das festas, do folclore, da fauna, da flora e da paisagem.
A exposição em Brasília conta com obras de diferentes fases da vida de Portinari, incluindo a raríssima “Baile na Roça” produzida em 1923, quando o artista tinha apenas 20 anos. Essa é a primeira obra de Portinari com temática nacional. O filho do artista conta que essa pintura não foi bem aceita na época na Escola de Belas Artes, o que levou Portinari a vendê-la. Ele passou o resto da vida tentando recuperar a obra, mas morreu sem conseguir reencontrá-la. O Projeto Portinari conseguiu localizá-la nos anos 80 e agora está sendo exposta em Brasília. O quadro homenageia familiares e amigos de Brodowski e mostra um Portinari ainda sem as características que o tornariam célebre.
A infância de Portinari, marcada pelas dificuldades enfrentadas pelos pais imigrantes italianos, teve grande influência em sua formação pessoal e em seus ideais. A família recomeçou a vida na lavoura de café, e foi lá que o artista descobriu a necessidade de se expressar através das tintas e palavras. O filho pesquisador conta que Portinari só conseguiu estudar até a terceira série, pois precisava ajudar os pais e seus 11 irmãos na colheita do café.
A exposição em Brasília também aborda a história da família em Brodowski, que ajuda a entender as origens do pensamento do artista. Com apenas 11 anos, Portinari desenhou o maestro Carlos Gomes, copiando uma imagem de um maço de cigarros antigo. Seus amigos ficaram impressionados com o talento do jovem artista, que posteriormente se tornou ilustrador.
Portinari demonstrava uma enorme curiosidade em relação à ciência e tecnologia em suas obras, refletindo a efervescência cultural das primeiras décadas do século 20. O pesquisador destaca que o artista começou a utilizar elementos matemáticos em suas pinturas, como proporções e estudos cromáticos. Portinari também tinha um grande interesse em aprender como outros artistas pintavam.
Uma das obras menos conhecidas de Portinari é “Jangada e Carcaça” (1940), que rememora a infância. Um episódio marcante envolvendo essa pintura foi quando uma garotinha, ao participar de uma palestra na escola, destacou que no tempo de Portinari as crianças brincavam à noite. Essa observação emocionou o filho do artista, assim como a obra “Roda infantil”, que ele considera sua favorita dessa fase. Outra pintura que o sensibiliza é “Meninos com Balões” (1951), que mostra a capacidade de emocionar-se com a infância mesmo aos 84 anos de idade.
A relação de Portinari com a natureza é destacada em suas obras, que apresentam características tropicalistas. O pesquisador acredita que o artista sempre teve uma paixão pela natureza brasileira, pelos brasileiros e pelos animais. Um exemplo é a pintura “Flora e Fauna Brasileiras” (1934). A partir dos anos 1930, o artista começou a abordar temas sociais em suas pinturas, retratando famílias de retirantes e a exploração. A exposição apresenta também esboços e painéis com estudos de suas obras clássicas.
Os anos 1940 foram muito produtivos para Portinari, tanto em suas denúncias sobre a Segunda Guerra Mundial, chamando a atenção para o nazismo em obras como “Gráfica” (1942), quanto em seus trabalhos sobre o meio ambiente ameaçado, como em “Balé Iara”. Segundo o filho-pesquisador, para absorver tudo o que a exposição tem a oferecer, é necessário mais do que uma visita. Os espaços interativos na mostra permitem uma imersão nos sentidos, como o espaço Portinari Imenso, onde é possível vivenciar suas pinturas através de projeções e trilha sonora original.
Além da exposição, está prevista uma celebração especial para os painéis gigantes “Guerra” e “Paz”, que estão na sede da ONU. Essas obras serão levadas temporariamente para o Museu Nacional da China no próximo ano, em comemoração aos 50 anos das relações diplomáticas entre Brasil e China.
O professor João Candido Portinari, responsável pelo Projeto Portinari, se dedica à missão de garantir espaço para a genialidade do pai por todo o mundo. Ele conta que quando era criança, não entendia por que seu pai passava tanto tempo pintando. Somente mais tarde ele compreendeu a imensidão do homem-artista. Hoje, seu maior objetivo é mostrar às crianças quem foi Portinari. O projeto disponibiliza milhares de imagens e documentos para ajudar a explicar a vida e a obra do artista, com o intuito de democratizar o acesso ao seu legado. O professor procura entender o artista, enquanto o filho vibra a cada encontro com seu pai através de suas pinturas.
*Com informações da Agência Brasil