Um Olhar sobre o Diagnóstico do Câncer do Colo do Útero no Brasil: Estudo Revela Números Preocupantes
Um estudo realizado pela Fundação do Câncer, intitulado “Um Olhar sobre o Diagnóstico do Câncer do Colo do Útero no Brasil”, revela que cerca de 21,4% das mulheres que realizam o exame citopatológico (conhecido como Papanicolau) estão fora da faixa etária recomendada pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é entre 25 e 64 anos de idade. Essa análise foi feita com base nos dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) divulgada pelo Ministério da Saúde no ano passado.
A importância do exame Papanicolau reside no rastreamento do câncer do colo do útero, devendo ser realizado a cada três anos por mulheres que já iniciaram a atividade sexual, homens trans e pessoas não binárias designadas mulher ao nascer. No entanto, de acordo com o estudo, a maioria das mulheres realiza o exame antes dos 25 anos, o que é problemático, pois nessa faixa etária ocorre o pico de prevalência da infecção por HPV. Embora a infecção muitas vezes regrida espontaneamente nessa idade, o diagnóstico de uma infecção por HPV pode levar a investigações e tratamentos desnecessários se não conduzidos adequadamente.
Outro dado alarmante é que 45,7% das mulheres brasileiras que nunca realizaram o exame estão na faixa etária de 25 a 34 anos, independente da região do país. Porém, no Norte e Centro-Oeste, esses índices aumentam para 51,5% e 52,9%, respectivamente. Como consequência desses números, as regiões Norte e Centro-Oeste apresentam taxas de mortalidade muito superiores em relação às outras regiões do país.
Entre as mulheres que estão em dia com o exame preventivo (menos de 3 anos), 43,7% estão na faixa etária de 35 a 49 anos em todo o Brasil. Já aquelas que nunca fizeram o Papanicolau nessa mesma faixa etária representam 29,8%, aumentando para 24,5% na faixa etária de 20 a 64 anos.
Um dos principais problemas encontrados é a demora na entrega dos resultados dos exames. A rede pública de saúde muitas vezes não funciona de forma eficiente, e as mulheres são orientadas a retornar em 30 ou 60 dias para obter os resultados. No entanto, nem todas as unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) são informatizadas, o que dificulta a comunicação e a entrega dos laudos pela internet. Isso acaba frustrando muitas mulheres que, por questões financeiras ou falta de suporte, não conseguem retornar à unidade de saúde para buscar os resultados. Essa falta de comprometimento compromete todo o processo de cuidado subsequente, pois se houver uma alteração no exame, a mulher não obteve o resultado, a unidade de saúde não realizou uma busca ativa e ela não poderá confirmar o diagnóstico e realizar o tratamento necessário.
De acordo com a pesquisa, apenas 40% das mulheres que realizaram o exame pelo SUS receberam os resultados em até 30 dias, enquanto na rede privada esse número supera 90%. Além disso, cerca de 10% das mulheres que realizam o Papanicolau pelo SUS nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Norte nunca tiveram acesso aos resultados, em comparação com apenas 2% na rede privada em todo o país.
Um fator importante apontado pelo estudo é a falta de acesso e conhecimento das mulheres de menor escolaridade. Entre as mulheres que não realizaram o exame, 56,9% possuem baixa escolaridade, 70,7% têm baixa renda, 73,9% são solteiras e 62,5% são de cor negra ou parda. Isso reflete uma injustiça no sistema de saúde, pois as mulheres que mais precisam são as que menos recebem atendimento adequado.
Enquanto não houver mudança no método de rastreamento para o câncer do colo do útero no Brasil, a Fundação do Câncer recomenda que as mulheres sigam as orientações da OMS e do Ministério da Saúde em relação à faixa etária e periodicidade do exame Papanicolau. No entanto, a consultora médica da Fundação ressalta que esse método de rastreamento não é o mais indicado, pois é oportunístico e resulta em excesso de exames para algumas mulheres e falta de exames para outras.
As últimas recomendações da OMS indicam o teste molecular de detecção do HPV, conhecido como teste de DNA-HPV, como método preferencial para países de baixa e média renda, antecipando em cerca de dez anos o acompanhamento e tratamento dos casos de câncer. Esse teste é mais sensível e objetivo, pois é realizado por máquina, enquanto o exame citopatológico depende da interpretação humana. Além disso, o teste molecular apresenta vantagens como o aumento da idade de início para 30 anos, periodicidade de cinco em cinco anos, maior detecção de lesões precursoras e câncer em estágio inicial, e menor custo de tratamento.
É importante ressaltar que apenas mudar o método de rastreamento não é suficiente. É necessário garantir a adesão às recomendações, atualizar as diretrizes e divulgá-las nas universidades e capacitar as equipes da atenção primária envolvidas na coleta de material para o exame. Além disso, é fundamental estabelecer um sistema de gestão que priorize o teste apenas nas condições e população-alvo recomendadas, com justificativa para a realização fora dessas especificidades.
O diagnóstico precoce do câncer do colo do útero é fundamental para aumentar as chances de cura e reduzir as taxas de mortalidade. Portanto, é imprescindível que a saúde pública no Brasil adote medidas efetivas para promover o acesso universal e equalitário ao rastreamento e tratamento dessa doença.
*Com informações da Agência Brasil