Os primeiros sintomas são comuns a várias doenças: febre, cansaço, dor de cabeça. Mas a doença de Chagas, ainda endêmica na região Norte, pode impactar esôfago, intestino e coração, e levar à morte. O Pará é o estado com maior incidência da doença no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, em 2023, foram 408 infecções pela doença.
Multissistêmica, a doença de Chagas é caracterizada por uma fase aguda — que pode durar semanas ou meses —, apresentando sintomas leves ou até assintomática. Também existe a fase crônica, como explica o coordenador-geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial do Ministério da Saúde, Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior.
“Uma vez persistindo, a infecção vai desenvolver uma forma aguda, que pode ser subclínica ou manifestar sinais — como febre. Depois disso, [a infecção] entra numa forma que chamamos de ‘indeterminada’, que não consegue ser identificada — não tem sintomas clássicos. E, após algum tempo, que pode durar anos, pode desenvolver a forma crônica. E essa é uma forma que pode ser tanto cardíaca — que afeta o coração — como digestiva, podendo afetar o esôfago e o intestino. Se a pessoa tratar, tanto na fase aguda como na forma indeterminada, ela pode, sim, eliminar o Trypanossoma cruzi e não desenvolver essa forma crônica”.
Doença de Chagas: transmissão no Pará
Uma das principais formas de transmissão no Pará é a oral, no consumo de alimentos contaminados por barbeiro com o Trypanosoma cruzi — devido à falta de higiene e de cuidados no momento do processamento. Um problema comum, como explica Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior.
“Hoje, temos, em média, notificados cerca de 300 a 400 casos novos agudos no país [por ano]. E imaginamos que pode haver uma subestimativa desse valor por haver alguns pacientes que não diagnosticam e, principalmente, pela forma de transmissão oral — que é ingerindo alimentos que contenham o Trypanosoma cruzi vindo do barbeiro. Ou seja, ou o barbeiro foi triturado junto com o alimento ou que tinha fezes do barbeiro naquele alimento que não foi bem higienizado. Então a contaminação acontece pela forma oral, especialmente na região Norte”.
Foi depois de um almoço em família que a terapeuta ocupacional Lorena Fortuna, de 28 anos, moradora de Belém, se infectou com Chagas. Ela mesma não teve sintoma. Mas o pai, que também comeu açaí natural naquele dia, desenvolveu a forma aguda — com febre alta persistente. Assim que saiu o resultado dele, todos da família passaram por exames e testaram positivo para a doença. Depois de 12 anos da infecção, Lorena conta que os cuidados continuam.
“O tratamento inicial durou dois meses, com um comprimidos diários”, conta Lorena. Lá se vão 12 anos desde a infecção. “Faço acompanhamento até hoje. Eu levei uns anos para ter alta do Instituto Evandro Chagas e continuam os acompanhamentos cardiológicos. Então, uma vez no ano, repito a sorologia do Chagas e faço todos os check ups cardiológicos para ver se não tenho sequela no coração”.
No caso da transmissão oral, a principal forma de prevenção é a boa higienização dos alimentos, como orienta Francisco Edilson Ferreira de Lima Júnior. “Pois, em geral, isso acontece quando o barbeiro é moído junto com o fruto ou com algo [outro alimento] e a pessoa não viu. Como se trata de um inseto relativamente grande [para identificar] e que se o alimento for bem higienizado, eliminamos grande probabilidade disso [contaminação do alimento] ocorrer”.
Além da transmissão oral, há também a vetorial, pela picada do barbeiro infectado, permitindo a entrada do parasita Trypanosoma cruzi na corrente sanguínea. Há uma terceira forma de transmissão, a vertical, quando a gestante infectada por Trypanosoma cruzi pode passar para o bebê durante a gestação ou no parto.
Para evitar que o barbeiro entre em casa e forme colônias, o Ministério da Saúde recomenda o uso de mosquiteiros ou telas metálicas em janelas e a aplicação de inseticidas residuais realizada por equipe técnica habilitada. Também preconiza o uso de repelentes, roupas de mangas longas, durante atividades noturnas em áreas de mata.
Doença de Chagas: referência e tratamento no Pará
Em Belém, o Hospital Universitário João de Barros Barreto, o Hospital das Clínicas Gaspar Viana e a Santa Casa são referências no tratamento da doença de Chagas. Mas toda a Atenção Primária — que inclui Unidades Básicas de Saúde — presente nos municípios brasileiros, está preparada para diagnosticar e tratar a doença, esclarece a Secretaria de Saúde do Estado do Pará.
O tratamento para as fases aguda e indeterminada da doença dura cerca de 60 dias, feito com Benzimidazol em comprimidos, produzido por um laboratório público brasileiro — fornecido exclusivamente pelo SUS. Segundo Francisco Edilson de Lima Júnior, quanto antes o paciente começa a se tratar, maiores as chances de sucesso.
“O tratamento tem maior eficácia quanto antes for feito. Na forma aguda, tem uma alta eficácia e, também, na forma indeterminada. Na forma crônica, dependendo do estágio que a doença tiver, o tratamento já não vai ter tanto efeito. Os tratamentos para a forma crônica são muito mais úteis para os sintomas”, explica o gestor.
A doença de Chagas é a infecção parasitária que mais mata no Brasil. Autoridades de saúde estimam que a doença de Chagas atinge de um a três milhões de brasileiros atualmente. Boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, publicado em abril deste ano, sobre notificações da doença de Chagas, mostra que entre janeiro de 2023 e janeiro de 2024, foram registrados 5,4 mil casos de doença de Chagas, distribuídos em 710 municípios.
Doença de Chagas: doença é um dos alvos do programa Brasil Saudável
O Ministério da Saúde, por meio do programa Brasil Saudável — que tem como meta a erradicação de 11 doenças e infecções socialmente determinadas, entre elas a doença de Chagas—, listou 175 municípios onde o combate aos determinantes sociais relacionados a essas doenças é prioridade. De acordo com as diretrizes do programa, são localidades que possuem altas cargas de duas ou mais doenças ou infecções. A estratégia do programa busca “catalisar e potencializar as ações já existentes e/ou as capacidades de cada Ministério no atendimento às necessidades de populações e territórios mais afetados pelas doenças determinadas socialmente ou sob maior risco”.
“Escolhemos 11, pois são as prevalentes no Brasil. A doença de Chagas, esquistossomose, filariose linfática, geo-helmintíase, malária, oncocercose e tracoma — essas sete são doenças que vamos eliminar — e não ter mais no Brasil, com transmissão igual a zero”, explica o coordenador-executivo do Brasil Saudável e diretor do Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde, Draurio Barreira. O gestor completa: “E outras quatro, que não vamos eliminar até 2030 de ter transmissão igual a zero, mas vamos atingir as metas da OMS, que são: tuberculose, aids, hepatites virais e hanseníase”.
Afuá, Anajás, Breves, Cametá, Conceição do Araguaia, Gurupá, Igarapé-Miri, Melgaço, Moju, Paragominas e a capital Belém são as onze cidades paraenses prioritárias no Brasil Saudável. A capital possui altas cargas de doença de Chagas, Sífilis Congênita, Hepatites virais, HIV/Aids, Hanseníase e Tuberculose. Já os outros municípios do estado têm cargas elevadas de Malária e Hanseníase.