Em El Salvador, uma tradição bem curiosa durante a Semana Santa tem gerado um debate acalorado entre católicos e evangélicos. No meio das celebrações religiosas, surge uma figura peculiar: os “talcigüines”. São pessoas vestidas como diabinhos vermelhos, que saem pelas ruas chicoteando quem cruza o seu caminho.
Para os católicos locais, a tradição é vista como uma forma de purificar os pecados a cada chicotada recebida. Mas essa visão não agrada nem um pouco aos evangélicos da região, que questionam como fiéis podem misturar sua fé com o que eles consideram uma brincadeira de mau gosto.
Todo ano, a pequena cidade de Texistepeque se torna o palco dessa encenação incomum. Logo após a missa de Domingo de Ramos, os talcigüines saem da igreja distribuindo chibatadas. Acredita-se que essa tradição, que existe desde 1850, seja uma mistura do catolicismo com a história bíblica da tentação de Jesus por Satanás e antigos costumes dos indígenas pipiles.
Essa tradição peculiar até abriu espaço para um empreendedor local. César Velásquez, um designer, criou canecas com a imagem dos talcigüines, mas a ideia não foi bem recebida pela igreja evangélica que ele frequentava. Para eles, César estaria quase venerando o diabo e apoiando a igreja católica! A pressão foi tão grande que ele acabou mudando de comunidade religiosa. “Os evangélicos de Texistepeque têm medo até de sair de casa para não pensarem que estão na festa”, relata César, que, por precisar trabalhar, se sente obrigado a participar do evento mais famoso da sua cidade.
A festa em si é um evento bem peculiar. Os atores que interpretam os talcigüines e Jesus participam da missa juntos. Depois, os “diabinhos” saem chicoteando as pessoas, enquanto Jesus aparece carregando uma pequena cruz e um sino. Durante a manhã, Jesus caminha pela praça enquanto os talcigüines dançam e simulam lutar com ele, até serem derrotados. Em seguida, Jesus pisa em cada um deles, simbolizando a vitória do bem sobre o mal, e retorna para a igreja sob os aplausos da multidão.
Historiadores apontam que essa festa pode ter surgido a partir de peças teatrais usadas por padres católicos para ensinar a fé aos povos indígenas. No entanto, com o crescente número de evangélicos no país (chegando a quase 40% da população), muitos não querem mais se envolver com práticas que remetam ao catolicismo ou aos costumes antigos.
Maynor Beltetón, um pastor que vive na cidade há 25 anos, nunca sequer assistiu à festa de perto e aconselha os cristãos a ficarem bem longe. “Isso não é só uma brincadeira”, alerta o pastor. “Tem uma origem e um significado que não combinam com o que nós cremos.” Para ele, dar tanta importância ao diabo e acreditar que chicotadas podem remover pecados vai contra a mensagem de salvação de Jesus.
Outro pastor, Ronald Peñate, tentou mostrar à sua antiga igreja que a festa poderia ser uma oportunidade para falar de Jesus para pessoas de fora da cidade. Mas a ideia não foi bem aceita, e ele acabou sendo desligado da igreja pouco tempo depois.
Enquanto a controvérsia persiste, a festa dos talcigüines continua dividindo opiniões e ilustrando como a cultura local e a fé podem, por vezes, gerar debates intensos. Afinal, será que os cristãos podem participar de uma festa com o “diabo”, mesmo que de forma simbólica? A resposta parece longe de ser unânime em El Salvador.
Com informações de Christian Today
