Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão histórica ao reconhecer que a liberdade religiosa pode justificar o custeio de tratamentos de saúde diferenciados pelo poder público. A decisão foi unânime e garante que as Testemunhas de Jeová, adultos e capazes, têm o direito de recusar procedimentos médicos que envolvam transfusões de sangue, com base em suas crenças religiosas.
Além disso, o STF determinou que o Estado é obrigado a oferecer procedimentos alternativos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), mesmo que isso implique em buscar atendimento em outras localidades. Esse julgamento reforça o compromisso da Corte em harmonizar o direito à liberdade religiosa com o direito à saúde e à vida.
O caso das Testemunhas de Jeová
As Testemunhas de Jeová seguem uma interpretação específica da Bíblia que proíbe o uso de sangue, inclusive em transfusões, considerando o sangue como sagrado. A crença se baseia em passagens bíblicas que, segundo eles, determinam a abstenção do sangue como um mandamento divino. Com isso, adeptos da religião se recusam a receber transfusões, mesmo em situações de risco, buscando tratamentos médicos alternativos que não envolvam sangue.
A discussão no STF se deu em torno de dois recursos extraordinários (REs 979742 e 1212272), relatados pelos ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, respectivamente. Os casos envolvem a possibilidade de Testemunhas de Jeová recusarem transfusões de sangue e a obrigação do Estado de oferecer alternativas médicas compatíveis com suas crenças.
Direito à liberdade religiosa e à saúde
O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, destacou que o julgamento é uma importante demonstração do compromisso do Supremo com a liberdade religiosa, ao mesmo tempo que preserva os direitos à vida e à saúde. Segundo ele, a decisão estabelece um equilíbrio entre esses direitos fundamentais, garantidos pela Constituição Brasileira.
Barroso também frisou que a recusa ao tratamento que envolve transfusões de sangue pode ser feita por adultos capazes, com base em sua autonomia individual e liberdade de crença. O ministro Gilmar Mendes, por sua vez, ressaltou que essa recusa deve ser uma decisão livre, inequívoca e informada por parte do paciente.
Ambos os ministros foram enfáticos ao afirmar que essa recusa só pode ser aplicada ao próprio interessado, não se estendendo a terceiros, incluindo filhos menores. No entanto, se houver alternativas eficazes ao procedimento com transfusão de sangue, avaliadas por profissionais médicos, os pais podem optar por elas em nome de seus filhos.
Consequências da decisão
A decisão do STF tem repercussão geral, o que significa que ela será aplicada a todos os processos similares em trâmite nas instâncias inferiores do Judiciário. Conforme o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existem atualmente 1.461 processos que discutem o mesmo tema e que serão afetados por essa decisão.
Os ministros também propuseram teses para guiar o Judiciário em futuros casos. O ministro Barroso apresentou uma tese que afirma que Testemunhas de Jeová têm o direito de recusar transfusões de sangue e, em respeito ao direito à vida e à saúde, fazem jus aos procedimentos alternativos disponíveis no SUS, mesmo que precisem ser tratados fora de seu domicílio.
O ministro Gilmar Mendes também apresentou uma tese que complementa a proposta de Barroso, esclarecendo que a recusa ao tratamento por motivos religiosos deve ser livre, informada e esclarecida pelo paciente. Mendes destacou que, se houver viabilidade técnica para um tratamento sem transfusão de sangue, e com a anuência da equipe médica, o SUS deve fornecer esse tratamento.
Repercussão na comunidade religiosa
Após a decisão, a Associação Testemunhas de Jeová Brasil comemorou a decisão do STF em uma nota oficial. A associação destacou a importância do reconhecimento da liberdade religiosa e afirmou que a decisão oferece segurança jurídica para pacientes, médicos e hospitais. Segundo a nota, as Testemunhas de Jeová sempre buscaram o melhor cuidado médico possível, respeitando suas crenças e colaborando com os profissionais de saúde.
“Essa decisão fornece segurança jurídica aos pacientes, às administrações hospitalares e aos médicos comprometidos em prover o melhor tratamento de saúde, sempre respeitando a vontade do paciente”, afirmou a associação.
Segundo o G1, a organização também destacou que seus fiéis amam a vida e sempre trabalham em conjunto com médicos para garantir os melhores cuidados de saúde, ao mesmo tempo que seguem suas convicções religiosas.